Tuesday, August 26, 2014

NO BATIDÃO DOS TEMPOS


Eu vejo algo interessante, ainda que não exatamente bom.

Os anos 60 marcaram um rompimento cultural extremo. No Brasil, a televisão impulsionou a cultura da juventude, a música jovem, os festivais e os programas de auditório. No período de uma década, a Jovem Guarda e a MPB tomaram conta da rádio e da televisão brasileiras, numa polarização entre "alienados" e "intelectualizados" - ambos consumistas, é claro. Se a bossa-nova não ganhasse novo fôlego e notoriedade nos Estados Unidos,  talvez até ela seria excluída da pauta, pois já era considerada "careta" nos anos 60.

O samba-canção, expoente máximo da música popular brasileira "classe média" nos anos 40, resistiu como pôde até o surgimento da tevê, quando seus principais artistas não migraram para o novo formato e ficaram relegados a um espaço cada vez menor e menos nobre na rádio.

Chamado popularmente de "bolero", "fossa", "dor-de-cotovelo", o samba-canção foi jogado numa vala comum para onde foi varrido tudo o que era obsoleto e cafona, o que "já era".  Virou uma representação de uma cultura velha, com a qual as novas gerações não se identificavam.  Bom, é até compreensível: os formadores de opinião - quem define o que é moderno, cool - são pessoas, de carne e osso, olhos e ouvidos. São artistas, jornalistas, estudantes, editores de cultura, programadores de rádio, TV, teatro, festivais, etc, cuja opinião é baseada em gosto, experiência, influência, curiosidade e, obvio, empatia e antipatia.

Após 20 anos de reinado absoluto nas rádios, era natural que se desejasse um frescor na música e no discurso. E assim, o samba-canção foi para o lixo.

Então, o que eu prevejo, ou o que estou vendo acontecer - é o mais acurado - é que é a vez da MPB ir para o lixo. E é óbvio que eu não gosto da ideia, pois eu adoro MPB. Mas ela já está no seu caminho para a vala dos indesejados, classificada de "velha", "cabeção", "chata", "elitizada". Às vezes, este julgamento surge velado, às vezes é ostensivo.  Mas é fato que os formadores de opinião, se gostam de MPB, gostam escondido, quase pedindo desculpa pelo tradicionalismo.

Há 20 anos, vimos explodir gêneros ultrapopulares que conquistaram espaço na mídia - merecidamente, pois dialogam com um público enorme e dão voz a personagens antes ignorados pela nossa cultura. Com a tal emergência das classes C e D, ou seja, o surgimento de milhares de novos consumidores, os veículos de mídia e os produtores de conteúdo cultural (gravadoras, TVs, radios) ficaram loucões para atrair este novo público. E o espaço para os gêneros e artistas ultrapopulares na mídia cresceu até bater na redundância: agora é só isto.

Além disto, e para complicar a vida da cultura brasileira em geral, a nossa educação foi massacrada paulatinamente nas ultimas décadas. O que favorece a preferência por letras primárias, refrões onomatopaicos e a ausência de melodia e harmonia.

Não é que estivesse bom. Os anos 80 foram muito ruins para a MPB e os gêneros que começaram a despontar naquela década - o axé, o sertanejo, o pop e o rock - tinham realmente muito mais força e urgência.  Ao passo que a sombra de Chico Buarque projetava-se ameaçadoramente sobre novos compositores e ninguém se arriscava a uma ideia nova.

Até hoje, os poucos interessados em MPB se perguntam: "quando virá um novo Chico?" Eu não sei, talvez nunca. Talvez seja interessante que a MPB desapareça (e agora eu me abaixo para desviar da pedrada). Talvez passe um tempo, um bom tempo, até que aponte uma nova Canção Brasileira, em sua força e relevância. Talvez ela seja a música da resistência, daqueles que insistem em fazer música e letra, estes quixotes presunçosos, loucos por significado. Talvez ela nos reúna em torno de uma nova atitude, um novo discurso, que não a lamentação pelo mundo que conhecíamos acabando diante dos nossos olhos.


Na pior das hipóteses, os teimosos, como eu, ficarão entrincheirados em seus nichos. Ouvindo gravações antigas em descolados toca-discos (agora é turntable) e redescobrindo, por exemplo, a força de um samba-canção.

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