Eu vejo algo interessante, ainda que não exatamente bom.
Os anos 60 marcaram um rompimento cultural extremo. No Brasil, a
televisão impulsionou a cultura da juventude, a música jovem, os festivais e os
programas de auditório. No período de uma década, a Jovem Guarda e a MPB
tomaram conta da rádio e da televisão brasileiras, numa polarização entre
"alienados" e "intelectualizados" - ambos consumistas, é
claro. Se a bossa-nova não ganhasse novo fôlego e notoriedade nos Estados
Unidos, talvez até ela seria excluída da
pauta, pois já era considerada "careta" nos anos 60.
O samba-canção, expoente máximo da música popular brasileira
"classe média" nos anos 40, resistiu como pôde até o surgimento da
tevê, quando seus principais artistas não migraram para o novo formato e
ficaram relegados a um espaço cada vez menor e menos nobre na rádio.
Chamado popularmente de "bolero", "fossa",
"dor-de-cotovelo", o samba-canção foi jogado numa vala comum para
onde foi varrido tudo o que era obsoleto e cafona, o que "já
era". Virou uma representação de
uma cultura velha, com a qual as novas gerações não se identificavam. Bom, é até compreensível: os formadores de
opinião - quem define o que é moderno, cool
- são pessoas, de carne e osso, olhos e ouvidos. São artistas, jornalistas,
estudantes, editores de cultura, programadores de rádio, TV, teatro, festivais,
etc, cuja opinião é baseada em gosto, experiência, influência, curiosidade e,
obvio, empatia e antipatia.
Após 20 anos de reinado absoluto nas rádios, era natural que se
desejasse um frescor na música e no discurso. E assim, o samba-canção foi para
o lixo.
Então, o que eu prevejo, ou o que estou vendo acontecer - é o mais
acurado - é que é a vez da MPB ir para o lixo. E é óbvio que eu não gosto da
ideia, pois eu adoro MPB. Mas ela já está no seu caminho para a vala dos
indesejados, classificada de "velha", "cabeção",
"chata", "elitizada". Às vezes, este julgamento surge
velado, às vezes é ostensivo. Mas é fato
que os formadores de opinião, se gostam de MPB, gostam escondido, quase pedindo
desculpa pelo tradicionalismo.
Há 20 anos, vimos explodir gêneros ultrapopulares que conquistaram
espaço na mídia - merecidamente, pois dialogam com um público enorme e
dão voz a personagens antes ignorados pela nossa cultura. Com a tal emergência
das classes C e D, ou seja, o surgimento de milhares de novos consumidores, os
veículos de mídia e os produtores de conteúdo cultural (gravadoras, TVs,
radios) ficaram loucões para atrair este novo público. E o espaço para os
gêneros e artistas ultrapopulares na mídia cresceu até bater na redundância:
agora é só isto.
Além disto, e para complicar a vida da cultura brasileira em geral, a
nossa educação foi massacrada paulatinamente nas ultimas décadas. O que favorece
a preferência por letras primárias, refrões onomatopaicos e a ausência de
melodia e harmonia.
Não é que estivesse bom. Os anos 80 foram muito ruins para a MPB e
os gêneros que começaram a despontar naquela década - o axé, o sertanejo, o pop
e o rock - tinham realmente muito mais força e urgência. Ao passo que a sombra de Chico Buarque
projetava-se ameaçadoramente sobre novos compositores e ninguém se arriscava a
uma ideia nova.
Até hoje, os poucos interessados em MPB se perguntam: "quando
virá um novo Chico?" Eu não sei, talvez nunca. Talvez seja interessante
que a MPB desapareça (e agora eu me abaixo para desviar da pedrada). Talvez passe
um tempo, um bom tempo, até que aponte uma nova Canção Brasileira, em sua força
e relevância. Talvez ela seja a música da resistência, daqueles que insistem em
fazer música e letra, estes quixotes presunçosos, loucos por significado.
Talvez ela nos reúna em torno de uma nova atitude, um novo discurso, que não a
lamentação pelo mundo que conhecíamos acabando diante dos nossos olhos.
Na pior das hipóteses, os teimosos, como eu, ficarão entrincheirados
em seus nichos. Ouvindo gravações antigas em descolados toca-discos (agora é
turntable) e redescobrindo, por exemplo, a força de um samba-canção.
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