O celular dizia: “Alerta de míssil. Dirija-se imediatamente para um
abrigo. Isso é real. Repetindo. Isso não
é uma simulação”.
Em toda a parte, a estridência dos alarmes telefônicos dava conta de
que todos na ilha recebiam a mesma mensagem, naquele instante. Em segundos, uma
sirene foi disparada na rua e um aviso sonoro repetiu as palavras de ordem.
Jonas esfregou os olhos e procurou ao redor no quarto de hotel. A
mulher havia descido para tomar café da manhã.
Ele levantou-se, ainda um pouco perdido, tentando decidir o que fazer.
Olhou novamente para a tela brilhante piscando em letras garrafais: “Dirija-se
imediatamente...”
Andou de um lado para o outro. Abriu a porta para ver se sua mulher
estaria voltando do restaurante. No corredor, pessoas corriam numa mesma
direção. Com a porta do quarto aberta, Jonas hesitou em seguir as pessoas ou
voltar para o quarto para esperar a mulher. De todo o modo, ele não podia sair
assim.
Passou os olhos novamente pelo quarto. Vestiu a camiseta jogada no
chão na noite anterior. Foi ao banheiro. Pegou o relógio sobre a pia e colocou
no pulso. Escovou os dentes. Será que deveria fazer a barba? Será que deveria
levar um barbeador? Quanto tempo ficariam no abrigo? Será que teriam
eletricidade? Neste caso, será que valia a pena levar o laptop? A bateria acaba
tão rápido... E se levasse um carregador
extra? No abrigo não deve ter wi-fi. Como eles saberiam das notícias?
Ligou a televisão. Passava um desenho com personagens bizarros no
canal infantil. “Por que a tevê está no canal infantil?” questionou Jonas. Fascinado
por alguns segundos, perguntou-se: “É
isso que as crianças assistem hoje?” Por um momento, esqueceu do que estava
procurando, até que a programação foi interrompida por um anuncio na tela:
“Atenção. Alerta de míssil”
Correu até a janela. O mar marejava indiferente, o vento soprava
suave, o céu brilhava seu azul intenso, era como se a natureza não tivesse
recebido nenhum aviso. Só a praia,
esvaziada de banhistas, indicava alguma estranheza.
Jonas consultou novamente o celular. Por que a mulher não havia
mandado nenhuma mensagem? Por que ela não ligava para dizer o que eles tinham
que fazer agora? Isso era enfurecedor.
Olhou as pessoas passando pelo corredor e decidiu segui-las. Mas
primeiro precisava conferir se não deixava nada muito importante para trás.
Abriu a mala, revirou a nécessaire em busca de algo que tivesse
valor inestimável, sem sucesso. Voltou ao banheiro: sobre a pia, no apoio da
banheira, nada. Até que, no box, algo chamou sua atenção. A aliança da mulher
reluzia dentro da saboneteira. Ele rapidamente guardou-a no bolso, calçou um
tênis e seguiu correndo atrás do que já era uma multidão pelos corredores do
hotel.
Conduzidas ao abrigo, as pessoas se abraçavam, alguns choravam
baixinho, alguns seguravam as mãos e rezavam. Jonas pensava que aquelas férias
a dois no Havaí, planejadas há tanto tempo pela esposa, mereciam um desfecho diferente. Até aquele
momento tinha sido tudo ótimo. Ele aproveitou para dormir, ver videos no you
tube e colocar os emails em dia; ela passava os dias na praia, ou fazendo caminhadas,
escalando vulcão, enfim, alguma coisa a ver com natureza. À noite ela ficava na varanda, em silêncio,
olhando o mar, e ele aproveitava a diferença de fuso para acordar os amigos no
whatsapp. Eram as férias perfeitas.
Jonas procurou a mulher, no abrigo, mas não a encontrou. Ela devia
ter ido para um abrigo diferente. Por que ela foi para outro abrigo? Por que
ela não o avisou? Por que ela preferia tomar café no restaurante do hotel ao
invés de pedir serviço de quarto? Pensou em procurá-la, mas um oficial do
exercito aconselhou que ninguém saísse do local. Ligou para o seu celular, mas a
ligação não completava. Escreveu mensagens para os filhos, os amigos, os
conhecidos, os grupos de whatsapp. Não conseguiu enviar nada, por falta de
sinal. Mas em algum momento, as mensagens chegariam e todos saberiam pelo que
ele passava.
Era sobre o que ele divagava, um pouco emotivo, quando todos os celulares
começaram a apitar novamente. “É o fim, meu Deus”, pensou. Algumas pessoas
começaram a chorar alto, assustadas, até que alguém gritou: “Acabou! É
mentira!” “Era alarme falso!”, alguém repetiu. E as palavras “alarme falso”
repetiram-se e reverberaram como uma onda de alívio lavando o espírito de
todos.
Ao voltar para o quarto, a esposa o esperava. Eles se abraçaram. Ela
sorria, mas estava diferente. “Eu estava tomando café”, ela contou, “e as
pessoas começaram a gritar que o mundo ia acabar, que estava vindo um míssil da
Coreia e que ia destruir tudo em 15 minutos. Eu não sei porque, mas eu me senti
leve. E fui caminhar na praia.” “Mas, Dulce” questionou Jonas, “como é que você
nem me chamou?” Ela não respondeu.
Jonas tirou a
aliança do bolso: “Você esqueceu a aliança no banheiro.” “É”, admitiu a esposa,
“Eu tirei para lavar a cabeça hoje cedo.
Talvez tenha sido um sinal.” “Como assim, Dulce?”, perguntou Jonas,
indignado, e ela explicou: “Quando me disseram que tinha sido um alarme falso,
eu não fiquei aliviada. Eu percebi que eu não queria ter que voltar para a nossa
vida.”
“Isso passa, Dulce. Você ficou estressada.”
“Não, Jonas. Isso é real.”
Foi a esposa quem deixou o quarto. Tinha mais prática em conseguir
mudar reservas e encontrar um hotel para terminar a viagem. Ela disse a Jonas
que ainda não sabia o que iria fazer, mas ele já não estava prestando atenção. Assim
que ela partisse, iria se certificar que as mensagens escritas no abrigo haviam
sido enviadas. Talvez ele devesse ocultar o seu status de relacionamento no
Facebook. Ou deveria esperar mais um pouco? Talvez ele devesse ir para a praia,
afinal, a turma do whatsapp estava cobrando fotos do Havaí.