Sunday, January 14, 2018

Isso não é uma simulação



O celular dizia: “Alerta de míssil. Dirija-se imediatamente para um abrigo. Isso é real.  Repetindo. Isso não é uma simulação”.

Em toda a parte, a estridência dos alarmes telefônicos dava conta de que todos na ilha recebiam a mesma mensagem, naquele instante. Em segundos, uma sirene foi disparada na rua e um aviso sonoro repetiu as palavras de ordem.

Jonas esfregou os olhos e procurou ao redor no quarto de hotel. A mulher havia descido para tomar café da manhã.  Ele levantou-se, ainda um pouco perdido, tentando decidir o que fazer. Olhou novamente para a tela brilhante piscando em letras garrafais: “Dirija-se imediatamente...” 

Andou de um lado para o outro. Abriu a porta para ver se sua mulher estaria voltando do restaurante. No corredor, pessoas corriam numa mesma direção. Com a porta do quarto aberta, Jonas hesitou em seguir as pessoas ou voltar para o quarto para esperar a mulher. De todo o modo, ele não podia sair assim.

Passou os olhos novamente pelo quarto. Vestiu a camiseta jogada no chão na noite anterior. Foi ao banheiro. Pegou o relógio sobre a pia e colocou no pulso. Escovou os dentes. Será que deveria fazer a barba? Será que deveria levar um barbeador? Quanto tempo ficariam no abrigo? Será que teriam eletricidade? Neste caso, será que valia a pena levar o laptop? A bateria acaba tão rápido...  E se levasse um carregador extra? No abrigo não deve ter wi-fi. Como eles saberiam das notícias?

Ligou a televisão. Passava um desenho com personagens bizarros no canal infantil. “Por que a tevê está no canal infantil?” questionou Jonas. Fascinado por alguns segundos, perguntou-se:  “É isso que as crianças assistem hoje?” Por um momento, esqueceu do que estava procurando, até que a programação foi interrompida por um anuncio na tela: “Atenção. Alerta de míssil”

Correu até a janela. O mar marejava indiferente, o vento soprava suave, o céu brilhava seu azul intenso, era como se a natureza não tivesse recebido nenhum aviso.  Só a praia, esvaziada de banhistas, indicava alguma estranheza.

Jonas consultou novamente o celular. Por que a mulher não havia mandado nenhuma mensagem? Por que ela não ligava para dizer o que eles tinham que fazer agora? Isso era enfurecedor.

Olhou as pessoas passando pelo corredor e decidiu segui-las. Mas primeiro precisava conferir se não deixava nada muito importante para trás.

Abriu a mala, revirou a nécessaire em busca de algo que tivesse valor inestimável, sem sucesso. Voltou ao banheiro: sobre a pia, no apoio da banheira, nada. Até que, no box, algo chamou sua atenção. A aliança da mulher reluzia dentro da saboneteira. Ele rapidamente guardou-a no bolso, calçou um tênis e seguiu correndo atrás do que já era uma multidão pelos corredores do hotel.

Conduzidas ao abrigo, as pessoas se abraçavam, alguns choravam baixinho, alguns seguravam as mãos e rezavam. Jonas pensava que aquelas férias a dois no Havaí, planejadas há tanto tempo pela esposa,  mereciam um desfecho diferente. Até aquele momento tinha sido tudo ótimo. Ele aproveitou para dormir, ver videos no you tube e colocar os emails em dia; ela passava os dias na praia, ou fazendo caminhadas, escalando vulcão, enfim, alguma coisa a ver com natureza.  À noite ela ficava na varanda, em silêncio, olhando o mar, e ele aproveitava a diferença de fuso para acordar os amigos no whatsapp.  Eram as férias perfeitas.

Jonas procurou a mulher, no abrigo, mas não a encontrou. Ela devia ter ido para um abrigo diferente. Por que ela foi para outro abrigo? Por que ela não o avisou? Por que ela preferia tomar café no restaurante do hotel ao invés de pedir serviço de quarto? Pensou em procurá-la, mas um oficial do exercito aconselhou que ninguém saísse do local. Ligou para o seu celular, mas a ligação não completava. Escreveu mensagens para os filhos, os amigos, os conhecidos, os grupos de whatsapp. Não conseguiu enviar nada, por falta de sinal. Mas em algum momento, as mensagens chegariam e todos saberiam pelo que ele passava. 

Era sobre o que ele divagava, um pouco emotivo, quando todos os celulares começaram a apitar novamente. “É o fim, meu Deus”, pensou. Algumas pessoas começaram a chorar alto, assustadas, até que alguém gritou: “Acabou! É mentira!” “Era alarme falso!”, alguém repetiu. E as palavras “alarme falso” repetiram-se e reverberaram como uma onda de alívio lavando o espírito de todos.

Ao voltar para o quarto, a esposa o esperava. Eles se abraçaram. Ela sorria, mas estava diferente. “Eu estava tomando café”, ela contou, “e as pessoas começaram a gritar que o mundo ia acabar, que estava vindo um míssil da Coreia e que ia destruir tudo em 15 minutos. Eu não sei porque, mas eu me senti leve. E fui caminhar na praia.” “Mas, Dulce” questionou Jonas, “como é que você nem me chamou?” Ela não respondeu.  

Jonas tirou a aliança do bolso: “Você esqueceu a aliança no banheiro.” “É”, admitiu a esposa,  “Eu tirei para lavar a cabeça hoje cedo.  Talvez tenha sido um sinal.”  “Como assim, Dulce?”, perguntou Jonas, indignado, e ela explicou: “Quando me disseram que tinha sido um alarme falso, eu não fiquei aliviada. Eu percebi que eu não queria ter que voltar para a nossa vida.”

“Isso passa, Dulce. Você ficou estressada.”
“Não, Jonas. Isso é real.”


Foi a esposa quem deixou o quarto. Tinha mais prática em conseguir mudar reservas e encontrar um hotel para terminar a viagem. Ela disse a Jonas que ainda não sabia o que iria fazer, mas ele já não estava prestando atenção. Assim que ela partisse, iria se certificar que as mensagens escritas no abrigo haviam sido enviadas. Talvez ele devesse ocultar o seu status de relacionamento no Facebook. Ou deveria esperar mais um pouco? Talvez ele devesse ir para a praia, afinal, a turma do whatsapp estava cobrando fotos do Havaí.


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